Por Iara Coimbra Teixeira e André Luiz Martins Freitas

 O instituto jurídico da repercussão geral foi criado pela Emenda Constitucional n° 45/2004, apelidada de “Emenda da Reforma do Judiciário”, com o objetivo de diminuir a entrada de processos na Corte. Sua fundamentação está contemplada no art. 102, §3° da Constituição Federal de 1988, assim expresso:

“No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.

 

Da interpretação do dispositivo, extrai-se que a repercussão geral será arguida como preliminar no recurso extraordinário, constituindo um novo pressuposto de admissibilidade.

Na legislação processual civil, vários mecanismos foram adotados com a mesma finalidade da repercussão geral, valendo mencionar: a súmula vinculante, os recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça, a possibilidade de decisão monocrática dos recursos e, especificamente, o mecanismo da repercussão geral no recurso extraordinário.

 

Ainda nesse diploma legal, o instituto da repercussão geral está regrado nos arts. 1.035 e 1.036.

 

Da análise do art. 1.035, destaca-se: (i) o Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral; (ii) para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo; (iii) o recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal. Tais aspectos revelados por meio do citado dispositivo revela o que vem a ser a repercussão geral: a existência de questões relevantes, do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.

Tratar da repercussão geral exige a compreensão de dois importantes aspectos que se relacionam: a segurança jurídica e a jurisprudência. Em relação ao primeiro aspecto, cabe destacar que a segurança jurídica lastreia-se em valores fundamentais, tais como a isonomia e a legalidade. A doutrina ensina que a aproximação entre segurança jurídica e jurisprudência manifesta-se por meio de três pontos: uniformidade, estabilidade e irretroatividade. Como introdução ao breve estudo da repercussão geral, interessa examinar a noção de uniformização da jurisprudência.

A uniformidade jurisprudencial, nesse contexto, remete à preocupação de tratar igualmente aqueles que se encontram em situação equivalente, o que nada mais é do que a tradução do valor fundamental da isonomia, anteriormente mencionado. Diz-se que a solução uniforme é a solução isonômica, revelando o tratamento justo.

Além disso, a uniformização garante que a Corte evite, para assentar a interpretação constitucional das normas submetidas à sua apreciação, apreciar numerosos recursos absolutamente idênticos.

Ao tratar do tema, Regina Helena Costa narra que a adoção desse mecanismo também ensejou, de modo inédito, uma maior comunicação entre os órgãos jurisdicionais. Isso, pois, para a repercussão geral funcionar, é necessário, segundo normas contidas no código e no regramento interno do STF, uma comunicação direta entre este e os tribunais de origem. Isso demonstra interessante dinâmica nesse aspecto: os tribunais de origem selecionam os recursos extraordinários que deverão ser submetidos à apreciação do STF, a cada tese ou cada caso idêntico, e remetem àquela Corte; os demais recursos ficam sobrestados nos tribunais de origem, aguardando julgamento do leading case.

É vocação da matéria tributária ensejar casos de reconhecimento de repercussão geral, por ser o âmbito de relações jurídicas deflagradas diretamente pela legislação, na medida em que todos devem pagar tributos nas situações descritas em lei, o que torna justificável a oportunidade de decidir casos idênticos atribuindo-lhes repercussão geral.

A respeito da estabilidade, ensina Regina Helena Costa que:

“a jurisprudência deve sinalizar aquilo que será o entendido a vigorar para o futuro, constituindo um indicativo dos comportamentos que devem ser adotados, que serão considerados legítimos. O objetivo é evitar oscilações, especialmente as abruptas na orientação adotada pelos órgãos jurisdicionais.”

Nesse mesmo contexto, a irretroatividade, lastreada pelo princípio geral hospedado no art. 5°, XXXVI, da Constituição Federal, revela-se que “não somente a lei pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, mas também os atos decorrentes de sua aplicação, como é o caso das decisões judiciais”.

O instituto da repercussão geral mostra-se como importante filtro de admissibilidade dos recursos extraordinários, uma vez que houve uma grande diminuição no número desses recursos distribuídos à Corte.

Um caso recente de grande importância para a justiça tributária, a denominada “Tese do Século”, vinculada ao RE 574.706/PR, foi julgada em sede de repercussão geral.

Trata-se de recurso extraordinário em que se discute à luz do art. 195, I, b, da Constituição Federal, se o valor do ICMS integra, ou não, a base de cálculo da contribuição para o PIS e para a COFINS. A tese é a de que o valor do ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS.

Assim, contribuintes que, em decorrência de sua atividade exercida, recolhem PIS e Cofins, a depender do caso, podem impetrar mandado de segurança, para assegurar o seu direito líquido e certo de excluir da base de cálculo das mencionadas contribuições o valor do ICMS destacado nas notas fiscais, assim como de utilizar os valores pagos indevidamente para compensar débitos próprios de tributos federais.

 

 

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