O escopo da correção monetária é o de preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal resultante da inflação. Esta (a inflação), por sua vez, capaz de prejudicar, no tempo, a correspondência entre valores real e nominal, representa na macroeconomia o aumento persistente e generalizado do nível de preços [1].
A correção monetária é um fenômeno econômico conexo com a inflação, e por adequação lógica, exigem que os instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de capturar a segunda, motivo pelo qual os índices de correção monetária devem consubstanciar autênticos índices de preços [2].
Pode haver, dessa forma, uma inflação ou uma deflação. Vieira Sobrinho distingue estes dois termos: “a inflação caracteriza-se por aumentos persistentes e generalizados dos preços dos bens e serviços à disposição social; quando ocorre o fenômeno inverso, tem-se a deflação” [3]. Afim de minimizar ou neutralizar as mudanças de valores econômicos, utiliza-se a correção monetária pelo valor nominal da moeda afetado pela inflação, além de incidir sobre qualquer débito resultante de decisão judicial.
Carlos Felisberto Garcia Martins, perito contábil, define correção monetária como um “mecanismo de reajuste periódico de preços da economia por índices obtidos com base na inflação passada”. Assim, a correção ou atualização monetária é a mera reposição do valor da moeda.
Ainda de acordo com o autor acima referido, os juros de mora são a “retribuição ao credor pelo atraso no pagamento do principal, são decorrentes do atraso culposo do devedor ao cumprimento da obrigação”. Ou seja, são os juros de mora os que o credor tem o direito de haver do devedor quando esse não paga a obrigação no vencimento.
Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça entendem que a taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) compreenderia a devida correção monetária. Assim, nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
A Selic aplicada como juros ou correção monetária é o instrumento que define a taxa básica de juros da economia brasileira, valendo-se de referência para a formação dos juros de mercado. Na definição de Alexandre Assaf Neto, a Selic “é a taxa de referência no mercado financeiro, exercendo influencias diretas sobre o volume da dívida pública” [4].
Muitos Estados e Municípios, além de utilizarem a taxa Selic como meio de correção tributária, adotam outros índices, como por exemplo o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). O Ministro Luiz Fux, a respeito do momento em que o legislador opta por algum tipo de índice para a correção monetária, esclarece no julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947:
Destaco que nesse juízo não levo em conta qualquer consideração técnico-econômica que implique usurpação pelo Supremo Tribunal Federal de competência própria de órgãos especializados. Não se trata de definição judicial de índice de correção. Essa circunstância, já rechaçada pela jurisprudência da Casa, evidentemente transcenderia as capacidades institucionais do Poder Judiciário. A hipótese aqui é outra. Diz respeito à idoneidade do critério fixado pelo legislador para atingir o fim a que se destina. Uma analogia esclarece o ponto.
Um médico que deseje medir a temperatura corporal de um paciente pode utilizar, por exemplo, um termômetro digital ou um termômetro de mercúrio. Pode escolher ainda diferentes partes do corpo para efetuar a amostragem. Todos esses meios são aptos a alcançar o fim pretendido: medir a temperatura corporal. A opção por um ou outro dependerá das convicções do profissional e das circunstâncias em que se encontre. Porém, nenhum médico poderá medir a temperatura do paciente usando uma balança ou uma fita métrica, haja vista a manifesta idoneidade desses instrumentos para a finalidade em que empregados.
Por certo, o mecanismo da correção monetário tem por finalidade a readequação do valor nominal da moeda, de modo que “apenas cumprirá a sua função caso o índice que vier a informar o fator de correção monetária tiver medido da forma mais acurada possível o efeito da erosão da moeda” [5].
A respeito da adoção do índice para a correção monetária de créditos tributários, utiliza-se apenas a taxa Selic, de acordo com a previsão do artigo 13 da Lei n. 9.065/1995 e do artigo 30 da Lei nº 10.522/2002, adotado, igualmente, por grande parte dos entes federados. Fato é, considerando o entendimento jurisprudencial, a taxa Selic, enquanto um índice de juros, recebe um incorreto tratamento pela jurisprudência como se fosse também um índice que objetiva a correção monetária. Em outras palavras, atualmente vigora, com relação aos créditos tributários federais – e dos demais entes federados que adotam a Selic – o nominalismo, vez que não há previsão de correção monetária, mas tão somente da incidência de juros [6].
O disposto anteriormente pode ser ilustrado a partir da Súmula 523, do STJ, que ensina que a taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices. Neste caso da repetição do indébito, por exemplo, conforme Súmula 162 do STJ, a correção monetária incidirá a partir do pagamento indevido. Ao contrário, os juros moratórios não seguem o mesmo raciocínio, uma vez que eles não serão contados desde a data em que o contribuinte pagou o tributo indevido, mas, de modo prejudicial ao contribuinte, o CTN previu que os juros serão devidos não do dia em que houve o pagamento, mas a partir da data em que houve o trânsito em julgado da decisão que determinou a devolução.
À época em que a taxa Selic fora adotada pela legislação sobre os créditos tributários inadimplidos, surgiu a questão de que esta taxa é uma taxa de juros como fator de remuneração, em razão de que a sua utilização no âmbito tributário ocorre em decorrência da mora, o que acaba por misturar as funções de contraprestação pelo uso do capital (juros remuneratórios) e da punição pela demora no pagamento (juros moratórios) [7].
De acordo com a lúcida constatação de Ives Gandra da Silva Martins, a taxa Selic, ao incidir sobre os créditos tributários, seria, ao mesmo tempo, um índice que compreende a inflação e juros de mora. Assim, esta taxa não mediria nem mesmo “o custo do dinheiro em toda a sua ampliação, mas apenas a liquidez dos recursos que transitam pelo mercado financeiro” [8], em razão de a sua métrica abranger somente operações entre instituições financeiras.
Desse modo, mesmo que se adote o entendimento jurisprudencial de que a taxa Selic seria um índice que serviria tanto como juros moratórios quanto para medir a inflação, ela corresponderia a campo específico do mercado financeiro, ao qual não está adstrita a tributação. Assim, “não haveria coerência na adoção da taxa Selic como um índice de correção monetária, uma vez que o mercado financeiro não é o segmento objeto da tutela legislativa em questão” [9].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] MANKIW, N.G. Macroeconomia. Rio de Janeiro, LTC 2010, p. 94; DORNBUSH, R.; FISCHER, S. e STARTZ, R. Macroeconomia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 2009, p. 10; BLANCHARD, O. Macroeconomia. São Paulo: Prentice Hall, 2006, p. 29.
[2] Consideração adequada ao texto, feita no RE 870947/SE.
[3] VIEIRA SOBRINHO, José Dutra. Matemática financeira. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010, pág. 261.
[4] ASSAF NETO, Alexandre. Mercado Financeiro. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
[5] NADAL, Victoria Werner de. A Correção Monetária de Créditos Tributários: uma Análise sobre a Utilização da Taxa SELIC e do IGP-M. Revista Direito Tributário Atual, n.48. p. 520-540. São Paulo: IBDT, 2º semestre 2021, pág. 526.
[6] Ibid. pág. 537.
[7] BIRCHAL, Leonardo de Abreu. Juros diferenciados para a Fazenda Pública, por quê? Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais vol. 56/2012, abr. 2012, p. 197-231, p. 202.
[8] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Ilegalidade e inconstitucionalidade da taxa SELIC para correção de débitos tributários. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, abr.-jun. 2000, p. 139-142, p. 139.
[9] NADAL, Victoria Werner de. A Correção Monetária de Créditos Tributários: uma Análise sobre a Utilização da Taxa SELIC e do IGP-M. Revista Direito Tributário Atual, n.48. p. 520-540. São Paulo: IBDT, 2º semestre 2021, pág. 533.
Por Iara Coimbra Teixeira e revisado por Fernanda Vargas