Por Iara Coimbra Teixeira e revisado por Fernanda Vargas

 

            É importante, em primeiro lugar, definir o conceito de ágio e destacar que o tema recebe definição tanto no âmbito fiscal quando no contábil. Foi a partir de conceitos contábeis que surgiu a primeira definição de ágio, em que este servia para diferençar os ativos de uma empresa de forma separada, e o valor de mercado da companhia, como entidade única em operação.

            A primeira definição na legislação de ágio veio por meio do Decreto-Lei n° 1.598/1977, em seu artigo 20, inciso II, ao ensinar que o contribuinte que avaliar investimento pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que trata o número I, (que é o valor de patrimônio líquido na época da aquisição).

            Na lição de Moreira, Gaia e Campos, a legislação tratou de forma diversa daquela tratada pela contabilidade, assim, “diante deste fato, havia para o legislador tributário, duas opções: silenciar-se e relegar à contabilidade o papel de definir o método de avaliação destes investimentos e seus reflexos no resultado e, só então, determinar a forma de ajuste para obtenção do Lucro Real; ou dispor, desde logo, sobre a forma de avaliação e sobre seu tratamento fiscal” [1] [2].

            Nesse sentido, é correto afirmar que o legislador pátrio decidiu afastar-se do conceito contábil, seja porque, pela perspectiva contábil, não seja possível compreender os efeitos da tributação, seja porque a própria lei diz isso na vigência da Lei n° 9.532, que afastou, para todos os efeitos, a noção contábil da prática tributária.

            A doutrina elabora posições divergentes a respeito da separação dos conceitos. Tanto é assim, que Fernando Fonseca e Daniel Lima, ensinam que “a partir do momento em que um conceito externo ingressa no sistema jurídico ele invariavelmente se transforma em um conceito jurídico. Não se contesta que houve uma consideração econômica da realidade no momento em que o legislador elegeu determinado fato como pressuposto de incidência da norma de tributação; entretanto, esse mesmo legislador selecionou um fato jurídico como indicativo daquela realidade econômica, cuja ocorrência irá deflagrar a hipótese de incidência da norma jurídica” [3]

            Por sua vez, o Código de Processo Civil brasileiro, hoje vigente, reconhece e mensura o ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill adquirido) advindo da combinação de negócios ou o ganho proveniente de compra vantajosa. Ou seja, “o cálculo do ágio para fins contábeis deixou de ser a diferença entre o valor de aquisição do negócio adquirido e o valor do patrimônio líquido da participação adquirida, passando a corresponder apenas à parte do valor de aquisição que excede o valor justo dos ativos e passivos adquiridos” [4].

            O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) enfrenta diversos pontos controvertidos, como por exemplo, a ausência de previsão legal restringindo a amortização do ágio interno de empresas, ou mesmo os quatro casos que o Conselho deve julgar, entre os dias 13 e 15 de setembro, que somam mais de R$8 bilhões, que envolvem as empresas Petrobras e Johnson & Johnson e versam sobre lucros no exterior e multa qualificada em caso de ágio interno.

            O ágio gerado internamente é, frequentemente, invalidado pela autoridade fiscal por não possuir motivação econômica. Assim, é considerado como “mero artifício contábil, o que coloca no alvo da autoridade tributária” [5]

            Com as recentes mudanças no entendimento do Conselho e as divergências indissolúveis entre a Contabilidade e o Direito Tributário, dificulta a resolução de diversos casos pelo órgão julgador, uma vez que é imprescindível que haja coerência nesta interseção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] MOREIRA, André Mendes; GAIA, Patrícia Dantas; e CAMPOS, Eduardo Lopes de Almeida. O tratamento fiscal do ágio e a problemática do ágio “interno” antes e após a vigência da Lei nº 12.973/2014. In ROCHA, Valdir de Oliveira (Dir.) Revista Dialética de Direito Tributário nº 228. São Paulo: Dialética, 2014, pág. 8.

[2] No âmbito contábil, o valor de patrimônio líquido e o valor de negociação dos ativos envolvidos na aquisição não são os mesmos, razão pela qual a conceituação legal afastou-se da teoria contábil, vez que “ela cumpriu objetivos exclusivamente fiscais”. Sabe-se que, por vezes “os investimentos são adquiridos por valores de mercado superiores ou inferiores ao seu valor patrimonial ou, até mesmo, em razão de circunstâncias contextuais, por valores superiores ou inferiores ao seu valor de mercado considerado ‘justo’, isto é, ao valor pelo qual seriam negociados em circunstância nas quais as partes encontram-se em condições paritárias e sem relação de dependência” (MOREIRA, GAIA e CAMPOS, p. 8, 2015).

[3] FONSECA, Fernando Daniel de Moura, e LIMA, Daniel Serra. A relação entre os conceitos jurídico e contábil de ágio antes e depois da reforma da Lei das S/A: o problema da interdisciplinaridade no Direito Tributário. In MANEIRA, Eduardo; SANTIAGO, Igor Mauler (Coord.). O ágio no direito tributário e societário – questões atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2015, pág. 49.

[4] HADDAD, Gustavo Lian e PAES, Gustavo Duarte. O ágio por expectativa de rentabilidade futura na Lei 12.973 e o Goodwill na combinação de negócios – aproximações e distanciamentos. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga e LOPES, Alexsandro Broedel (Coord.) Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos). 6O Volume. São Paulo: Dialética, 2015.

[5] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, e COELHO, Eduardo Junqueira. O conceito tributário de ágio previsto no Decreto-lei 1.598/77 e os requisitos para sua amortização com base no art. 7o da Lei 9.532/1997. In MANEIRA, Eduardo; SANTIAGO, Igor Mauler (Coord.). O ágio no direito tributário e societário – questões atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2015.

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