Por Gustavo Leite
Desde a greve dos caminhoneiros em 2018, o Governo Federal vem adotando
medidas fiscais para reduzir o impacto tributário nos combustíveis,
principalmente no óleo diesel. Este artigo tratará especificamente sobre o óleo diesel utilizado como insumo
por transportadores de carga ou indústrias. A Medida Provisória n° 1.118/22
tratou também de outros combustíveis, sendo aplicado o mesmo raciocínio
aqui exposto. A MP assegurou aos produtores ou revendedores dos derivados
de petróleo a manutenção dos créditos.
Em março de 2022, foi sancionada a Lei Complementar n° 192/22, que
reduziu a zero as alíquotas do PIS e da Cofins incidentes sobre a receita bruta
decorrente da venda, entre outros, de óleo diesel, até 31 de dezembro de
2022.
O art. 9° da mencionada lei complementar assegurou às pessoas jurídicas da
cadeia, inclusive o adquirente final, a manutenção dos créditos relativos à
aquisição, entre outros, de óleo diesel.
O dispositivo, expressamente, assegurava a todos da cadeia, o desconto de
créditos de PIS e de Cofins.
No dia 18/05/2022, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Medida
Provisória n° 1.118/22, que alterou o art. 9° da Lei Complementar 192/22,
retirando a possibilidade da manutenção dos créditos de PIS e Cofins que o
mencionado artigo previa.
A mencionada medida provisória, ao retirar a possibilidade de manutenção
de tais créditos, aumentou de maneira indireta a carga tributária incidente em
toda a cadeia de combustíveis, uma vez que, com a impossibilidade de
desconto do citado crédito, o valor que deverá ser recolhido a título das
contribuições será maior.
A medida provisória entrou em vigor na data da sua publicação, o que gerou
efeitos negativos imediatos aos contribuintes, que, ao apurar o PIS e a
Cofins, não poderão descontar os créditos relativos à aquisição de óleo
diesel.
A medida provisória entrou em vigor na data de sua publicação,
desconsiderando a regra da anterioridade nonagesimal, contida no §6° do art.
195 e art. 150, inciso III, alínea “c”, ambos da Constituição.
Tal regra serve para evitar a surpresa e oferecer segurança jurídica às
relações jurídico-tributárias, fazendo com que o contribuinte se planeje para
arcar com a nova carga tributária.
A única interpretação possível, em relação à manutenção dos créditos,
anteriormente prevista, é a de que houve a concessão de crédito presumido
às pessoas jurídicas que adquirem os combustíveis sujeitos à alíquota zero,
pois, caso não houvesse a possibilidade de aproveitar tais créditos, haveria a
tributação do PIS e da Cofins concentrada no adquirente final, já que ele
arcaria com toda a carga tributária relativamente às mencionadas
contribuições. Ou seja, sobre o pretexto de reduzir a carga tributária
incidente sobre os combustíveis, o Governo Federal estaria, na verdade,
cometendo uma falsa redução da carga tributária, já que o Fisco iria arrecadar
a mesma carga tributária se não houvesse reduzido a zero as alíquotas das
contribuições.
Neste caso, seria a típica lei “para inglês ver”, expressão utilizada para se
referir a uma encenação do Brasil Império, para a potência inglesa, em
relação a fiscalização de naus negreiras.
A manutenção dos créditos de PIS e de Cofins tem uma importância enorme,
que, caso não seja assegurada no cenário de redução a zero da alíquota do
tributo, acabaria por inviabilizar o benefício financeiro. Todavia, a
observância da regra da anterioridade é medida que se impõe.
O STF possui jurisprudência pacificada em relação à aplicação da regra da
anterioridade, ainda que o aumento da carga tributária seja indireto.
De modo resumido, o aumento do tributo de maneira direta consiste na
majoração da alíquota ou da base de cálculo do tributo. Já o aumento
indireto, consiste no aumento, de algum modo, da carga tributária, podendo
ficar caracterizado pela redução de um benefício fiscal, o que ensejaria o
aumento da carga tributária, ou a exclusão do direito à apuração de créditos
de um tributo não cumulativo, o que, também implica em aumento da carga
tributária.
O STJ possui decisão, em que, especificamente, decidiu que a exclusão do
direito à apuração de créditos de PIS e Cofins implica em aumento da carga
tributária das contribuições.
Portanto, o STF e o STJ possuem entendimentos convergentes sobre a
aplicação da anterioridade em caso de aumento da carga tributária, ainda que
de maneira indireta.
Como se sabe, o art. 195, §6° da Constituição, estabelece que as
contribuições para a seguridade social observarão a regra da anterioridade
nonagesimal.
Evidentemente, a modificação na sistemática da não cumulação do PIS e da
Cofins, que tem direta implicação na sua apuração, e, com isso, implica na
majoração da carga tributária relativamente às contribuições, deverá
respeitar a regra da anterioridade nonagesimal.
A Medida Provisória n° 1.118/22, que deu nova redação ao art. 9° da Lei
Complementar 192/22, desconsiderou a regra do §6° do art. 195, bem como
o art. 150, inciso III, alínea “c”, ambos da Constituição.
Portanto, é evidente a inconstitucionalidade da vigência imediata da Medida
Provisória n° 1.118/22, que, ao suprimir a redação do art. 9° da Lei
Complementar n° 192/22, retirou a possibilidade de apropriação de créditos
de PIS e de Cofins na aquisição de óleo diesel utilizado como insumo,
aumentando a carga tributária, sem observar a regra da anterioridade
nonagesimal, prevista no art. 195, §6° e art. 150, inciso III, alínea “c”, ambos
da Constituição.