O STF julgou, pelo rito da repercussão geral, o RE 593.824, que trata da incidência do ICMS sobre a demanda contratada de energia elétrica. A corte reconheceu a repercussão geral da matéria em 2009, e em 24 de abril de 2020, julgou o mérito da discussão favoravelmente aos contribuintes.
Inicialmente, é necessário esclarecer que demanda contratada é a demanda de energia elétrica colocada à disposição da empresa contratante para ser utilizada no todo ou em parte.
Algumas empresas que consomem grandes quantidades de energia elétrica, como, por exemplo, as indústrias eletrointensivas, celebram acordos com as concessionárias de energia elétrica, para que estas coloquem a energia elétrica à disposição daquelas. Mas, por vezes, a demanda contratada não é totalmente utilizada. Cabe esclarecer que o valor acordado entre as partes será devido independentemente da utilização, mas, por outro lado, não constitui fato gerador do ICMS a demanda contratada e não utilizada.
O STJ já havia editado a Súmula 391, cujo enunciado é “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”. Ou seja, o STF reafirmou o entendimento já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Na oportunidade em que se debruçou sobre a matéria, o STJ entendeu que o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pela simples celebração de contratos, razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica, “a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria”. Definindo que “é ilegítima a cobrança do imposto sobre todo e qualquer valor relacionado à demanda reservada de potência, sendo devida apenas a parcela relativa à demanda contratada de potência efetivamente utilizada pelo consumidor”.
Como se sabe, o ICMS é o imposto estadual que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias, e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, e de comunicação. Sendo a sua base de cálculo o valor da operação relativa à circulação da mercadoria, ou o valor da prestação dos serviços citados, e o seu fato gerador a ocorrência de operação relativa à circulação de mercadorias ou a prestação dos mencionados serviços.
Para ser sucinto, deve-se entender por operação relativa à circulação de mercadoria o ato capaz de impulsionar a mercadoria da fonte de produção em direção ao seu consumo.
O ato capaz de impulsionar a mercadoria da fonte de produção em direção ao seu consumo é caracterizado pela saída da energia da linha de transmissão para o estabelecimento da empresa. Por isso, apenas o consumo efetivo de energia elétrica deve ser considerado como fato gerador do ICMS, e não o contrato celebrado entre a concessionária e a empresa. A simples “garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS”, pois, senão, estar-se-ia tributando a celebração do contrato.
O valor da operação, que é a base de cálculo do ICMS, terá de consistir, na hipótese de fornecimento de energia elétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor; em outras palavras, a base de cálculo do ICMS está restrita ao valor da energia efetivamente consumida, já que esta é a energia efetivamente entregue ao consumidor.
As premissas em que o Judiciário se baseia para chegar a essa conclusão são que energia elétrica é mercadoria e não prestação de serviços, ou seja, trata de bem móvel com valor econômico, conforme inciso I, do art. 83 do Código Civil. E que energia elétrica só é gerada e há circulação quando há consumo, não sendo possível estocá-la; ela somente é gerada por haver consumo.
Logo, a simples disponibilização da potência elétrica no ponto de entrega, ainda que gere custos com investimentos e prestação de serviços para a concessionária, pode constituir fato gerador da tarifa do serviço público de energia, mas certamente não constitui fato gerador do ICMS, sendo impossível que a demanda contratada e não utilizada infle a base de cálculo do ICMS.
O julgamento recente do STF encontra-se na esteira da jurisprudência pacífica do STJ, conforme demonstrado, ou seja, a Suprema Corte põe fim a esta discussão, que, embora já pacificada no STJ, não havia, em relação a esta matéria, um precedente do STF com repercussão geral.
A matéria está registrada no STF como Tema 176, e a tese fixada foi a seguinte: “a demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor.”
Os contribuintes que recolheram a mencionada exação indevidamente podem buscar o seu direito por meio de ações judiciais, pois, como se sabe, poderão reaver o valor pago a maior nos últimos cinco anos.
É importante lembrar que o precedente vincula todo o Poder Judiciário, ou seja, os processos que tratam da mesma matéria não poderão ser julgados de maneira distinta, e ainda terão preferência legal em sua tramitação, conforme §2º, II, do art.12 do CPC.
Embora o acórdão paradigma ainda não tenha sido publicado, os contribuintes não precisam esperar para demandarem em juízo, pois a jurisprudência tem se pacificado no sentido de dispensa de publicação do acórdão paradigma para aplicação da tese vencedora.