https://www.migalhas.com.br/depeso/409204/um-alento-para-os-produtores-de-leite
A MP 1.227/24, chamada de “Medida Provisória do Fim do Mundo”, afetou benefícios fiscais, mas não impactou produtores e comerciantes de leite.
A chamada “Medida Provisória do Fim do Mundo” muito comentada e discutida no ambiente jurídico no início do mês de junho deu o que falar.
A MP 1.227/24 recebeu este apelido por prever condições para fruição de benefícios fiscais, delegação de competência para julgamento de processo administrativo fiscal relativo ao ITR – Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, limitação da compensação de créditos relativos a tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e revogação de hipóteses de ressarcimento e de compensação de créditos presumidos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.
Os produtores e comerciantes de leite, que gozam de crédito presumido concedido pela lei 10.925/04, não foram afetados pela citada medida provisória, nem no que tange ao desconto do crédito presumido, nem a compensação cruzada de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal.
O primeiro ponto que deve ficar claro é que a MP 1.227/24, não revogou expressamente o art. 8°, no que afetaria o crédito presumido sobre as aquisições de leite. Conforme expressa previsão da Lindb, “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.” Portanto, as pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classificadas nos códigos da Tipi previstos no caput do art. 8°, “destinadas à alimentação humana ou animal, poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens”. O leite encontra-se no capítulo 4 da Tipi, estando abrangido pelo direito ao crédito presumido de PIS e Cofins.
Com as razões sobre a manutenção do crédito presumido, é possível que surja a dúvida se o inciso XI, do §3°, do art. 74, da lei 9.430/96, ao limitar a compensação do crédito do regime não cumulativo de PIS e Cofins, inviabilizou a compensação prevista no art. 9°-A da lei 10.925/04. A resposta é não. O fundamento para esta conclusão também está na Lindb. Veja-se:
“Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”
A previsão do art. 74 e as suas limitações contidas no §3°, da lei 9.430/96, são regras gerais sobre compensação tributária. Regras gerais não se sobrepõe a regras especiais no Direito. Dito de outra maneira, a norma geral não revoga a especial assim como a especial não revoga a geral, podendo ambas reger a mesma matéria contanto que não haja choque entre elas.
É evidente que as normas não são incompatíveis entre si, pois elas podem coexistir. A corroborar este argumento, é que a MP 1.227/24 revogou expressamente uma série de dispositivos que tratam de crédito presumido de PIS e Cofins e a utilização dos créditos para compensação de outros tributos, e não revogou o art. 9°-A da lei 10.925/04.
As redações dos dispositivos revogados expressamente pela citada medida provisória são similares a previsão do Art. 9°-A. Podendo citar o §6° do art. 33, da lei 12.058/09. Veja-se:
“Art. 33. As pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias classificadas nos códigos 02.01, 02.02, 02.04, 0206.10.00, 0206.20, 0206.21, 0206.29, 0206.80.00, 0210.20.00, 0506.90.00, 0510.00.10 e 1502.00.1 da NCM, destinadas a exportação, poderão descontar da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins devidas em cada período de apuração crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens classificados nas posições 01.02 e 01.04 da NCM, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física.
(…)
§ 6o A pessoa jurídica que, até o final de cada trimestre-calendário, não conseguir utilizar o crédito na forma prevista no § 5o deste artigo poderá: (Revogado pela MP 1.227, de 4/6/24)
efetuar sua compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observada a legislação específica aplicável à matéria; (Revogado pela MP 1.227, de 4/6/24)
solicitar seu ressarcimento em dinheiro, observada a legislação específica aplicável à matéria.”
Caso a medida provisória quisesse atingir o crédito presumido de PIS e Cofins sobre o leite, ela teria feito expressamente, como fez com outros produtos. Portanto, como a regra de compensação de crédito presumido sobre o leite é regra especial, e a medida provisória trata de regra geral, elas coexistem no ordenamento, não afetando uma a outra.