O tratamento jurídico referente ao desconto de juros sobre capital próprio (JCP), em período anterior ao ano-calendário que gerou o lucro, tem sido objeto de discussões e posicionamentos divergentes no cenário jurídico brasileiro, considerando a jurisprudência do STJ e do Carf, bem como as interpretações externadas pela Receita Federal do Brasil. A complexidade da questão reside na interpretação de dispositivos legais que regem a dedutibilidade dos JCP, especialmente quando se busca retroagir a sua contabilização.
A legislação brasileira, em seu arcabouço normativo, dispõe sobre a possibilidade de as empresas deduzirem os valores correspondentes aos juros sobre capital próprio, desde que observadas as condições e limites estabelecidos pela legislação tributária. Contudo, a discussão surge quando se considera a retroatividade desse benefício fiscal para períodos anteriores ao ano-calendário que gerou o lucro passível de distribuição.
A Segunda Turma do STJ, de maneira unânime, reconheceu o direito de o contribuinte deduzir, na apuração do lucro real, os juros sobre capital próprio relativamente a períodos anteriores ao exercício em que foi apurado o lucro. A Corte entendeu que o art. 9° da Lei n° 9.249/95 não veda o direito à dedução extemporânea. O entendimento foi proferido no Resp n° 1.950.577. Cabe ressaltar que este é o entendimento da Primeira e da Segunda Turma do STJ. A interpretação da legislação vigente, especialmente no que tange ao art. 9º da Lei nº 9.249/95, que trata da dedutibilidade dos JCP, é crucial para a compreensão desse cenário.
Mesmo com o entendimento consolidado no STJ, o Carf e a Receita Federal do Brasil entendem que a permissão para a dedução de JCP estaria adstrita ao ano-calendário em que o lucro foi efetivamente auferido. Entretanto, é válido ressaltar que essa interpretação não é unânime no Carf, pois a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais se valeu do voto de qualidade para afastar o entendimento do contribuinte sobre a matéria. Inclusive, o conselheiro relator citou decisões do STJ que corroboravam o entendimento favorável aos contribuintes.
Basicamente a controvérsia se dá pela previsão do art. 75 da Instrução Normativa n° 1.700/17, que tem a seguinte previsão:
“§ 4º A dedução dos juros sobre o capital próprio só poderá ser efetuada no ano-calendário a que se referem os limites de que tratam o caput e o inciso I do § 2º.”
Ou seja, uma restrição imposta pela RFB que não tem na lei, fazendo com que a Receita Federal do Brasil tenha extrapolado a sua competência regulamentar, o que tornaria a restrição ilegal.
Ademais, vale destacar que, em alguns casos, as empresas têm buscado soluções alternativas, como a utilização de instrumentos contratuais específicos, para fundamentar a dedutibilidade dos JCP em períodos passados. A complexidade dessas operações requer uma análise cuidadosa, considerando não apenas os aspectos tributários, mas também os aspectos contratuais e contábeis envolvidos.
Diante desse cenário, o STJ provavelmente terá que julgar a questão pelo rito dos recursos repetitivos, o que vincularia o Carf e a RFB, dando a interpretação legalmente devida e fornecendo diretrizes mais precisas sobre a dedução de JCP em período anterior ao ano-calendário gerador do lucro.
Até que haja uma uniformização de entendimento, recomenda-se que as empresas busquem assessoria jurídica especializada para lidar com essa complexa questão, prevenindo-se de futuras autuações, minimizando riscos e garantindo a conformidade com a legislação vigente.
Por André Freitas e Gustavo Leite