Por Gustavo Leite e André Freitas
Ao me debruçar sobre a possibilidade de condenação em sucumbência da Fazenda Pública em execução fiscal extinta sobre o argumento da prescrição intercorrente, deparei-me com o voto do ministro Raul Araújo nos embargos de divergência no AREsp 1.854.589, e comecei a refletir sobre a questão.
Para contextualizar, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça está discutindo, em julgamento interrompido por pedido de vista, quem deve pagar os honorários de sucumbência quando a execução de uma dívida for extinta pela prescrição em razão da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis.
Quem já se deparou com essa realidade no Poder Judiciário, sabe que existem duas linhas jurisprudenciais, a primeira é a que aplica o princípio da sucumbência, e a segunda é a que aplica o princípio da causalidade.
No meu entender, o princípio da causalidade deve ser aplicado quando não há resistência do exequente no reconhecimento da ocorrência da prescrição intercorrente, já que não restam dúvidas de que o devedor é quem dá causa à propositura da ação executiva. Todavia, este princípio não pode privilegiar a desídia do credor e a sua resistência em reconhecer a prescrição do seu direito.
No caso da prescrição intercorrente, há o desleixo ou a negligência por parte do exequente, que não diligenciou o suficiente para localizar o devedor ou seus bens, deixando o processo paralisado. A perpetuação da ação não pode ser entendida como situação normal no direito. O próprio ordenamento jurídico veda a perpetuação do processo executivo.
Há casos em que o exequente foi diligente, mas, no entanto, não conseguiu localizar o devedor ou o seu patrimônio para satisfazer o seu crédito. Nesses casos, poderá o juízo reconhecer, de ofício, a ocorrência da prescrição, ou, a própria Fazenda Pública pode reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente e requerer a extinção da execução, hipóteses que não haverá condenação em sucumbência.
Situação diversa é o oferecimento de defesa, alegando a ocorrência da prescrição intercorrente, e a Fazenda Pública se opõe à pretensão do executado. Neste caso, haverá lide, e a consequente obrigação do Poder Judiciário em dizer quem está com a razão.
O voto do ministro Raul Araújo, nos citados embargos de divergência, tenta uniformizar a jurisprudência para que se aplique o princípio da causalidade quando há defesa com fundamento de prescrição intercorrente, em execução fiscal, e a Fazenda Pública se oponha ao reconhecimento da prescrição e o Poder Judiciário acolha o argumento do executado. Este posicionamento do ministro exterioriza uma proteção desarrazoada à Fazenda Pública. Para o ministro “a causa determinante para a fixação de honorários é a atuação do executado, que obrigou o credor a instaurar um processo para cobrá-lo e, depois, inviabilizou sua efetivação. O risco, nesses casos, é penalizar duas vezes o credor. Uma porque não conseguiu receber os valores a que tem direito. E outra porque ainda terá de arcar com os advogados da parte contrária.”
Este argumento é facilmente refutado, pois as Fazendas Públicas possuem um aparato jurídico muitas vezes maior do que o advogado do executado – claro que existem exceções de procuradorias municipais, mas em sua maioria os recursos destinados aos procuradores são altos, os concursos para que os juristas virem procuradores são de altíssimo nível – ou seja, é completamente razoável que a Fazenda Pública tenha um controle sobre as ações executivas e aja, antes do executado, para extinguir ações prescritas, ou, ainda que tenha sido oferecido defesa, será lhe dado oportunidade em concordar com a pretensão e não ser condenada em sucumbência. Portanto, não há que se falar em apenação dupla, pois, neste caso, a Fazenda é quem estará dando causa à sua própria “punição”, ao não diligenciar e requerer a extinção de execuções prescritas, ou resistindo à extinção do processo.
Não se pode admitir que, com a instauração de uma lide – em decorrência da resistência da Fazenda – , não se aplique o princípio da sucumbência. Portanto, não se trata de dupla punição ao credor, que tem a possibilidade de concordar com a alegação de prescrição intercorrente e encerrar a ação sem o ônus da sucumbência. Neste caso, a punição seria ao devedor, que, com a “carta branca” para o credor (já que não teria o risco de ser condenado em sucumbência) iria resistir à extinção do processo, perpetuando as execuções fiscais prescritas “para ver se cola” no Poder Judiciário.
A defesa que alega a prescrição intercorrente é uma defesa como qualquer outra, apontando-se vício processual, que acarreta a extinção da execução. Caso haja o reconhecimento da defesa (quando apontada prescrição intercorrente), a jurisprudência reconhece que não deverá haver a condenação em honorários de sucumbência; todavia, quando há resistência, o argumento da defesa passa a ser desafiado pela antítese do exequente, não havendo mais que se levar em conta o objeto da defesa, e sim o princípio da sucumbência. É como se o executado arguisse vício no título executivo ou ilegitimidade; qualquer desses argumentos são passíveis de condenação em sucumbência, assim como a alegação de prescrição intercorrente.
Se não se entender que a prescrição intercorrente é um argumento de defesa como qualquer outro, daqui a pouco teremos o ajuizamento de execuções fiscais prescritas ou com as CDAs decaídas, e, com o oferecimento de defesa, não haverá condenação em honorários. Ou seja, uma carta branca.
Ora, as procuradorias possuem controle de legalidade e devem analisar e ter cautela com os seus atos. Admitir que as procuradorias não ajam para extinguir as execuções prescritas, admitir que o Poder Judiciário se mantenha inerte e não reconheça, de ofício, a prescrição intercorrente, admitir que haja o oferecimento de defesa e a Fazenda se oponha e ainda assim não seja condenada pela sua desídia é um excesso de prerrogativas e proteção com o exequente, e abuso de boa vontade para com o direito de só um dos lados.
A distribuição dos honorários não se pauta apenas pelos qualificativos vencido e vencedor, baseando-se também na ideia de causação e pretensão resistida. O direito à condenação em honorários advocatícios exige comportamento censurável atribuído ao vencido, causando o processo ou o incidente processual, ou resistindo ao seu encerramento, de modo a provocar a obrigatória contratação de advogado para obtenção da tutela pretendida, pela contraparte.
A prescrição intercorrente é algo que sobrevém no curso do processo, e cujo reconhecimento demanda, primeiramente, a iniciativa do juiz da causa. Quando não há o pronunciamento do juízo, de ofício, e o executado contrata advogado para o patrocínio de sua defesa, a condenação em sucumbência se dará diante do comportamento do exequente. Caso concorde com a defesa, haverá a aplicação da causalidade, deixando de ser condenada em sucumbência. Quando há resistência e pretensão de manutenção da lide, haverá a aplicação do princípio da sucumbência.
Pela análise de precedentes no STJ, me parece que este é o entendimento majoritário na corte. O STJ, ao julgar o AgInt no REsp 1867881/RS, entendeu que: “o reconhecimento da prescrição intercorrente não permite a condenação da parte exequente em honorários advocatícios com base no princípio da causalidade, de modo que se ela não resistir ao pedido de extinção do feito fundado nesse motivo estará desonerada desse ônus; ao revés, havendo oposição do credor, a verba honorária será devida, com respaldo no princípio da sucumbência.”
Para concluir, e conforme o entendimento majoritário do STJ, quando o processo ficar parado e só for retomado porque a parte devedora apresentar defesa, ainda que sobre o fundamento de prescrição intercorrente, em que haja resistência da parte credora, os honorários advocatícios são devidos em função do princípio da sucumbência.