Não bastasse a Fazenda Nacional tentar postergar os efeitos da decisão do STF no tema 69, sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, além de em cada recurso tentar rediscutir a matéria já assentada, e mesmo ciente de que seus recursos estão sendo declarados protelatórios e com imposição de multa, mesmo assim, em total ato de abuso e desrespeito aos contribuintes, a Fazenda Nacional encontrou uma nova forma de burlar a decisão, sobre o mesmo pretexto de que o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins deve ser o valor efetivamente pago.

A medida totalmente arbitrária e que ignorou a decisão da Suprema Corte, consiste em que a Receita Federal do Brasil, por meio da Solução de Consulta da Cosit n° 13/2018, externou seu entendimento de que o valor do ICMS a ser excluído é o efetivamente recolhido e não o destacado na nota fiscal.

Como era de se esperar, os valores que os contribuintes depositaram em juízo no decorrer da ação e, que após o trânsito em julgado, é passível de levantamento por meio de depósito em conta bancária (antigo alvará) está totalmente comprometido com o abuso do fisco federal. Em recentes processos que após transitarem em julgado, são baixados à vara de origem, para serem arquivados e também terem a expedição de certidão de inteiro teor, para os casos em que o contribuinte opta em habilitar seu crédito perante a RFB ou nos casos em que o contribuinte requer o levantamento dos valores depositados em juízo, a grande festa e surpresa acontece.

Como formalidade, após os autos retornarem à origem, abre-se vista à PGFN. A vista, entendia-se até então que era apenas para ciência quanto ao término do processo, mas a criatividade e o abuso foram além. A  Fazenda Nacional, querendo fazer “justiça com as próprias mãos”, vem requerendo informações à RFB sobre o valor do ICMS efetivamente pago pelo contribuinte e, fazendo papel de julgador, informa nos autos que somente os valores recolhidos serão devolvidos ao contribuinte, devendo o restante ser convertido em renda a favor da União.

Em vários processos que a PGFN tem devolvido, segundo a advogada Fernanda Vargas, vários contribuintes por meio de acesso ao e-Cac já conseguem ver a manifestação da RFB quanto aos valores apurados por ela mediante acesso ao Sped ICMS e EFD Contribuições, onde ao final a RFB “recomenda” à PGFN que parte seja devolvida ao contribuinte e o restante convertido em renda a favor da União.

Como exemplo de contribuintes que optam, na área estadual, pelo crédito presumido de ICMS, que nada tem a ver com o débito de ICMS, a RFB legislando em causa própria conclui facilmente que dos 100% dos valores depositados, nada mais que 7ª a 8% devem ser restituídos ao contribuinte. Estamos falando agora de “Troco”? Uma empresa fica anos planejando financeiramente sobre os valores que acredita lhe pertencerem por direito, algumas depositam milhões de reais, para depois de duas décadas de discussão a RFB simplesmente informar que concorda que o contribuinte levante apenas 7% deste valor? Isto se assemelha a um confisco.

Atitudes destas beiram ao ridículo, ao abuso e a má fé. O judiciário não pode permitir que a PGFN juntamente com as informações que a Receita Federal do Brasil dispõe decidam o quanto o contribuinte terá direito de levantar. Aceitar tal medida é voltar e reiniciar uma discussão encerrada.

Em 2017 o STF definiu a tese de que “O ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins” no tema 69 de repercussão geral. Desde então, a Fazenda suscitou outro debate em relação a este tema: “qual parcela do ICMS deverá ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins, o destacado na nota fiscal ou o devido ao Estado.”

O argumento suscitado pela Fazenda é totalmente infundado, pois leva a crer que não houve definição do valor a ser excluído, e muito pelo contrário, a Ministra Cármen Lúcia, relatora, ao proferir o voto condutor fez questão de explicar toda a cadeia do ICMS, e ao final, votou para que todo ele, o ICMS, fosse excluído das bases de cálculo do PIS e da Cofins. O voto é tão claro que não é necessário grande labor intelectual para compreendê-lo, e mesmo assim, a Fazenda insiste que não houve definição sobre este assunto.

A Ministra Cármen Lúcia, ao proferir seu voto no Recurso Extraordinário RG 574.706, afirmou que o ICMS destacado na nota seria o devido para exclusão da base de cálculo do PIS e Cofins. “Desse quadro é possível extrair que, conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na “fatura” é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições. Portanto, ainda que não no mesmo momento, o valor do ICMS tem como destinatário fiscal a Fazenda Pública, para a qual será transferido.”

E a Ministra não parou por aí, e fez questão de deixar mais claro: “Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS. Enfatize-se que o ICMS incide sobre todo o valor da operação, pelo que o regime de compensação importa na circunstância de, em algum momento da cadeia de operações, somente haver saldo a pagar do tributo se a venda for realizada em montante superior ao da aquisição e na medida dessa mais valia, ou seja, é indeterminável até se efetivar a operação, afastando-se, pois, da composição do custo, devendo ser excluído da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.” O RE 574.706 foi provido nos termos do voto da relatora.

Não há campo para essa discussão que a Fazenda Nacional tenta travar, com a finalidade de tentar amenizar o impacto econômico da decisão no tema 69.

O Ministro Gilmar Mendes, que, na oportunidade foi voto vencido, aplicou o entendimento do pleno do STF em uma decisão monocrática: “Inicialmente, verifico que matéria semelhante foi decidida no RE-RG 574.706, (tema 69), Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 2.10.2017. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal afirmou que o montante de ICMS destacados nas notas fiscais não constituem receita ou faturamento, razão pela qual não podem fazer parte da base de cálculo do PIS e da COFINS.”

O entendimento fixado foi o mais acertado, pois, caso o ICMS a ser excluído fosse o recolhido, estaria desprezando que ao adquirir a mercadoria, o valor do ICMS está compreendido no preço, tão logo o adquirente arca com este custo, sendo, portanto, inconcebível o raciocínio de que a diferença entre o ICMS destacado e recolhido fosse faturamento da empresa, ou seja, que integrasse o patrimônio da empresa.

Ademais, aplicando o entendimento do acórdão paradigma do tema 69, o TRF da 4° Região já consolidou jurisprudência no sentido de que o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins é o destacado nas notas fiscais.

Para evitar maiores digressões, não pode a Receita Federal do Brasil por ato administrativo passar por cima de decisão da Suprema Corte em nenhuma hipótese, principalmente confiscando patrimônio assegurado por decisão judicial, e violando a segurança jurídica.

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