STJ fixa tese sobre contagem do prazo para cobrar o ITCMD referente a doação não declarada: uma análise doutrinária e jurisprudencial

Por Iara Coimbra Teixeira

É da competência dos Estados e do Distrito Federal instituir o imposto de transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e direitos, previsto pela Constituição Federal de 1988, no art. 155.

Este imposto está previsto precisamente no art. 155, I, c/c seu §1º e art. 147, da Constituição Federal de 1988, que estão assim redigidos:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

 I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(…)

          §1º O imposto previsto no inciso I:  

  I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal

 II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;

 III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

 

  1. a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

 

  1. b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

 

IV – terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;

(…)

 Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais.”

 No Código Tributário Nacional, o ITCMD está previsto nos arts. 35 e seguintes. Por se tratar de um tributo de competência estadual, cabe à lei ordinária de cada Estado, ou do Distrito Federal, regulamentar a matéria. Tal imposto não possui lei complementar sobre normas gerais a ele afetas.

Entretanto, de acordo com o art. 34, §6º[1], do ADCT c/c o art. 24, §3º[2], da Constituição Federal, no caso de as operações evolverem somente aspectos internos (atos, fatos, negócios etc.), é desnecessária a edição de lei complementar federal que disponha sobre normas gerais relativamente ao ITCMD, de acordo com o disposto no art. 146, III, e no art. 155, §1º, III, ambos da Constituição Federal.

O ITCMD é um imposto com dois núcleos distintos: (i) causa mortis e (b) doação (inter vivos). O ITCMD pode ser chamado, dependendo como dispuser a lei de cada Estado, de ITD, ITCD e etc. Nos Tribunais Superiores, o ITCMD é tratado nas seguintes Súmulas: 112, 113, 114, 115, 331, 435, 509, 542 e 590, todas do Supremo Tribunal Federal, e a Súmula 523 do STJ.

Nas lições de Cláudio Carneiro[3], o citado imposto possui cinco principais características, sendo ela: (i) fiscal: a finalidade primeira do imposto é a arrecadação de recursos para os Estados ou para o Distrito Federal; (ii) direto: o ônus econômico recai diretamente e de forma definitiva no contribuinte; (iii) real: instituído e cobrado em razão do fato gerador objetivamente considerado, qual seja, o valor dos bens objeto de transmissão, fruto do evento morte ou doação; (iv) proporcional: a alíquota do ITCMD não varia em decorrência da base de cálculo, o que gera discussão quanto à constitucionalidade da Resolução do Senado nº 9/92, que permite sua progressividade[4]; (v) não vinculado: tratando-se de imposto, a obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao obrigado, assim, um fato do indivíduo, conforme previsto no art. 16 do CTN; (vi) incidência instantânea: a transmissão ocorre em duas circunstâncias fáticas: morte e doação.

O ITCMD tem como base econômica tributada a transmissão de qualquer bem ou direito, desde que tenha por causa a morte ou a doação. Essa transmissão de bens ou direito configura a mutação patrimonial subjetiva. Em outras palavras, quando o patrimônio muda de titularidade, a Constituição Federal identifica um fato que gera capacidade para contribuir com a existência e o agir do Estado[5].

Lecionam Leandro Paulsen e José Eduardo Soares de Melo[6] (2012; p. 222)

“Como o imposto incide sobre a transmissão gratuita de qualquer bem ou direito, é imprescindível que ocorra a mudança (jurídica) de sua titularidade, da pessoa do doador para o donatário, com espírito de liberalidade, e efetivo animus donandi, mediante o empobrecimento do doador e o enriquecimento patrimonial do donatário.”

 A respeito do fato gerador do ITCMD, especificamente no que diz respeito à doação, ela se dará, no que se refere aos bens imóveis, na efetiva transcrição feita no Registro de Imóveis, e, em relação aos bens móveis, ou direitos, a transmissão da titularidade, que caracteriza a doação, ocorrerá mediante tradição, se for o caso, com o respectivo registro administrativo.

Relativamente à doação, aplicam-se os conceitos do direito privado, tendo como base legislativa o Código Civil, em seu art. 538, que preceitua: “Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

O imposto incide sobre a transmissão (gratuita) de qualquer bem ou direito, é necessário que ocorra a mudança, jurídica, de sua titularidade, da pessoa do doador para o donatário, com o ânimo de liberdade, e efetivo animus donandi, mediante o empobrecimento do doador e consequente enriquecimento patrimonial do donatário.

O momento em que o fato gerador ou o aspecto temporal da doação ocorre, é identificado levando-se em consideração as disposições do Código Civil brasileiro, que assim disciplina, respectivamente, a transmissão da propriedade dos bens imóveis e móveis:

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

(…)

 Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição. Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.”

Pelo exposto nos artigos supramencionados, o aspecto temporal da hipótese de incidência do imposto sobre a transmissão de bens, mediante doação, consumar-se-á pelo registro da propriedade imóvel ou pela tradição da propriedade móvel[7].

É impertinente, no caso da doação de bens imóveis, o preceito que determine o recolhimento antes da celebração da respectiva escritura pública.

Outros aspectos que se caracterizam como doação é a liberação de dívida, os gastos em razão de outra pessoa e a liberação do devedor resulte de prescrição.

Ensina Leandro Paulsen[8],

“o espírito de liberdade constitui nota característica da doação, o que não se verifica se o benefício decorre do adimplemento de obrigação jurídica (contraprestação de serviços, fornecimento de bens etc.), recompensas (atendimento gratuito por médico da família), ou cumprimento de dever moral e social (gratificação em razão de benefícios”

       A respeito do lançamento do tributo, é realizado por declaração, nos moldes do art. 147 do Código Tributário Nacional, por depender das informações fáticas prestadas pelo contribuinte. Porém, poderá o Fisco se valer do lançamento de ofício ou por arbitramento. Isso também ocorre com o ITBI, embora a regra do ITCMD seja o lançamento por declaração, poderá ser este realizado de ofício quando ocorrer o fato gerador sem que o correspondente pagamento tenha sido efetivado[9].

Paulo de Barros Carvalho conceitua lançamento como:

Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.[10]

No que toca à decadência, mister trazer à baila a lição do Juiz Federal Agnelo Amorim, “o efeito imediato da decadência é a extinção do direito, ao passo que o da prescrição é a cessação da eficácia da ação (entende-se: da pretensão)[11].

Tanto a decadência quanto a prescrição são expressões de segurança jurídica, estão fundadas sob o manto da ideia de inércia no exercício de um direito, pelo prazo legalmente assinalado, conduz ao seu perecimento.

A decadência (ou caducidade) está prevista no art. 173, do CTN, assim prescrita:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

 No âmbito tributário, a decadência corresponde à extinção do direito da Fazenda Pública de efetuar o lançamento, em razão de sua inércia pelo decurso do prazo de cinco anos.

Acrescente-se que, no direito tributário, a decadência está relacionada ao direito de o Fisco constituir crédito tributário mediante o procedimento do lançamento tributário, nos termos do art. 142 do CTN. Vejamos:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

 Somente quando é formalizada a existência e liquidez do crédito tributário é que o CTN considera constituído o crédito tributário. Isso pode ocorrer por meio de lançamento por parte da autoridade fiscal, nos termos do artigo supra e seguintes do CTN, ou mediante declaração produzida pelo próprio sujeito passivo, por meio do lançamento por homologação (art. 150 do CTN).

Cingiu-se a controvérsia a definir o início da contagem do prazo decadencial previsto no art. 173, I, do CTN para a constituição do ITCMD referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual.

Isso significa que, pela inteligência do art. 149, II, do CTN, surgiu para o Fisco a necessidade de proceder ao lançamento de ofício, no prazo de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte à data em que ocorrido o fato gerador do tributo que, por sua vez, ocorrerá: (i) em relação aos bens imóveis, pela efetiva transcrição realizada no registro de imóveis; (ii) em relação aos bens móveis, ou direitos, a transmissão da titularidade, que caracteriza a doação, se dará por tradição, eventualmente objeto de registro administrativo.

No caso de declaração omissa do contribuinte, no que se refere à ocorrência do fato gerador do imposto incidente sobre a transmissão de bens ou direitos por doação, é de responsabilidade do Fisco diligenciar quanto aos fatos tributáveis e exercer a constituição do crédito tributário mediante lançamento de ofício, dentro do prazo decadencial.

Por fim, cumpre destacar que o STJ é pacífico no sentido de que, no caso do ITCMD, a contagem do prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, desde que observado o fato gerador, nos termos dos arts. 144 e 173, I, do CTN, sendo irrelevante a data em que o Fisco teve conhecimento da ocorrência do fato gerador.

Nesse sentido, são precedentes importantes nesse assunto: AgInt no REsp 1.690.263/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma Segunda Turma, julgado em 10/9/2019, DJe 16/9/2019; AgInt no REsp 1.795.066/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma Primeira Turma, julgado em 16/9/2019, DJe 18/ 9/2019.

[1] Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda n.º 1, de 1969, e pelas posteriores.

[2]  Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

[3] CARNEIRO, Cláudio. Impostos federais, estaduais e municipais – 7. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. P. 199.

[4] O STF admitiu progressividade para o ITCMD. Nesse sentido: “Repercussão Geral. Lei Estadual: Progressividade da alíquota do ITCMD. Constitucionalidade. Art. 145, §1º, da CFR/88. Princípio da igualdade material” (RE 562.045, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 6-2-2013).

[5] REsp. nº 1.841.798/MG

[6] Impostos federais, estaduais e municipais. 7 ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2012. P. 222

 

[7] REsp. nº 1.841.798/MG

[8] PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. – 11. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. P. 233.

[9] CARNEIRO, Cláudio. Impostos federais, estaduais e municipais – 7. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. P. 199.

[10] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2019

[11] AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961.

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