Pesquisando os seguintes termos no buscador do Google “STJ compensação”, é possível encontrar diversas notícias e artigos jurídicos sobre a recente decisão do STJ reconhecendo a legalidade do artigo 106 da Instrução Normativa RFB nº 2.055/21, que possui a seguinte redação:
Art. 106. A declaração de compensação prevista no art. 102 poderá ser apresentada no prazo de até 5 (cinco) anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.
É com fundamento em tal dispositivo que a Receita Federal entende haver um prazo prescricional de cinco anos para que as empresas que obtiveram decisões judiciais transitadas em julgado, reconhecendo-lhes um direito creditório relativamente a algum tributo, possam utilizar tais valores para compensar débitos de tributos federais. A opção é muitas vezes preterida pois a outra via, o recebimento por precatório, é morosa e mais complexa.
A principal discussão em relação a esse prazo prescricional estabelecido por meio de instrução normativa decorre de sua nítida ilegalidade. Isso ocorre porque não há nenhuma previsão legal que faça referência a tal prazo.
Relativamente à compensação administrativa com créditos reconhecidos judicialmente, o único prazo prescricional existente é aquele constante do artigo 168 do CTN, que estabelece o prazo de cinco anos para pleitear a restituição.
A ilegalidade do entendimento da Receita Federal era matéria pacífica no STJ, isto porque, conforme o artigo 146, III, b, cabe a lei complementar dispor sobre prescrição e, como exposto, o CTN já o faz estabelecendo que o prazo prescricional existe apenas para pleitear a restituição, assim, o STJ entendia que o prazo para pleitear a compensação seria o mesmo e não para esgotar eventual crédito.
Tal entendimento do STJ é verificável em diversas decisões monocráticas, como nos Recursos Especiais nº 1.825.358/SC, de relatoria do ministro Gurgel de Faria; nº 1.994.986/PE, de relatoria do ministro Sérgio Kukina; nº 1.936.617, de relatoria do ministro Og Fernandes; nº 1.739.879/PB, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves; nº 1.942.466/SE, de relatoria da ministra Regina Helena Costa; nº 1.643.978/RS, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques.
A estas decisões, somam-se dois acórdãos, citados como fundamento em todas as decisões anteriormente citadas, os Recursos Especiais nº 1.469.954/PR, de relatoria do ministro Og Fernandes e nº 1.480.602/PR, de relatoria do ministro Herman Benjamin, ambos no âmbito da segunda turma.
Acontece que, no dia 16/05/2025, a mesma Segunda Turma proferiu um acórdão em sentido contrário, validando o entendimento do Fisco Federal e decidindo que é valida a limitação temporal para a compensação de créditos reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado. A decisão foi proferida no Recurso Especial nº 2.178.201/RJ.
Qualquer mudança jurisprudencial é relevante; esta, entretanto, é relevantíssima. Não quanto aos seus efeitos propriamente, porque a decisão não possui efeito vinculante nem erga omnes, mas quanto a atuação do judiciário em matéria tributária.
É de conhecimento público que o atual governo está tentando de tudo para lidar com as contas públicas e as medidas arrecadatórias de constitucionalidade duvidosa têm sido tomadas em diversos âmbitos, como a obrigatoriedade de exclusão do ICMS no computo dos créditos de PIS e Cofins, promovida pela lei nº14.592/23, a limitação para compensar créditos tributários acima de 10 milhões, promovida pela lei nº 14.873 e, mais recentemente, a querela envolvendo o IOF.
Assim, é impossível ao estudioso do direito não se questionar acerca da relação entre o momento político que vive o país e as decisões que são tomadas pelo poder judiciário, sobretudo no presente caso, onde se proferiu uma decisão contrária à “remansosa” jurisprudência do STJ e, mais especialmente, com poderoso efeito arrecadatório.
O ponto principal, entretanto, e que talvez seja mais preocupante, é a validação, por parte do Poder Judiciário, de uma norma infralegal nitidamente ilegal. E porque essa preocupação é relevante no momento? Por conta da reforma tributária.
Como foi suscitado pelo Professor Hugo de Brito Machado Segundo, em importantíssimo artigo publicado no Conjur1, são inúmeras as delegações ao regulamento constantes da LC nº 214/2025, que institui o IBS e a CBS. Questiona-se: qual será a posição do judiciário, quando for provocado, diante de tanto poder conferido à administração pública para regulamentar o IBS e a CBS?
A decisão proferida no Recurso Especial nº 2.178.201/RJ mostrou que o judiciário pode validar uma norma infralegal mesmo diante de sua escancarada ilegalidade; o que ocorrerá quando essa ilegalidade não for tão nítida assim?
O que impedirá que essas brechas na lei complementar, leia-se, que essas delegações ao regulamento, sejam utilizadas como instrumento arrecadatório a depender do cenário político e fiscal do país?
A questões ficam e não serão respondidas tão cedo. O principal é que se entenda, por parte do poder judiciário, que as limitações ao poder de tributar são garantias instituídas em favor dos contribuintes e não podem ser relativizadas quando a má gestão do orçamento reclama, à administração pública, medidas arrecadatórias.