A concepção da não cumulação tributária

No Brasil, apenas o ICMS e o IPI são tributos verdadeiramente não cumulativos, enquanto o PIS e a Cofins e não são contribuições com a não cumulação dita clássica, mas daquela latu sensu.

Como objeto de diversas demandas judiciais, a não cumulação tributária reveste-se de grande importância para os operadores do Direito, uma vez que o manejo equivocado na sua adoção ou não (adoção do princípio da não cumulação), acarreta em um possível prejuízo no valor arrecadado pelo contribuinte.

Assim, o conhecimento jurídico, financeiro e contábil da não cumulação diante do montante arrecadado é essencial para a resolução de questões atinentes à tributação à luz da constituição e das demais legislações afetas ao tema.

Adotada pela Constituição Federal de 1988, a não cumulação é uma regra presente no Direito Tributário brasileiro, relacionado ao IPI e ao ICMS, que, posteriormente, se estendeu às contribuições sociais da Cofins e do PIS/PASEP.

A partir de uma análise um tanto grosseira, considera-se tanto como uma regra quanto como uma técnica de apuração do valor a ser tributado. Seria uma operação contábil do valor a ser recolhido como tributo, em que se deduz os montantes a serem pagos em relação a um mesmo produto nas fases pretéritas do processo produtivo.

A cumulação tributária pode se referir a três situações diferentes: (i) exigência de dois ou mais tributos sobre o mesmo fato, que admite duas subespécies, a bitributação e bis in idem; (ii) inclusão de tributos na base de cálculo de outras exações, majorando artificialmente a riqueza tributável; (iii) incidência do tributo em dois ou mais estádios da cadeia produtiva [1].

Na primeira situação, trata-se da incidência de tributos idênticos sobre o mesmo fato gerador, o que caracteriza a bitributação – caso de dois entes distintos exigirem gravame idêntico sobre uma mesma realidade – , ou bis in idem – caso de ambas exações serem cobradas pelo mesmo ente estatal. Na bitributação, corriqueiro verificar quando dois Estados ou Municípios pretendem gravar a mesma realidade, como no caso do ISSQN, em que há constantes conflitos entre as municipalidades, advindas a partir da interpretação conferida pelo STJ ao art. 12 do Decreto-Lei n. 406/68, que predicava ser o ISSQN devido no local da prestação do serviço, entendida pelo referido Tribunal que este artigo não deve ser interpretado de forma literal. Ou seja, mesmo que o dispositivo legal dispusesse que o ISSQN seria devido ao Município em que estiver situado o estabelecimento prestador, esse não seria o verdadeiro sentido da norma. Diante disso, persistem os problemas de dupla tributação em matéria de ISSQN.

A segunda situação se dá quando “se incluem na base na base de cálculo das exações o valor dos tributos”. Tal prática legitimou este procedimento sobretudo quando da análise do denominado “cálculo por dentro” do ICMS. Além disso, tem-se a cumulação de incidências com a inclusão do ICMS nas bases de cálculo do IPI e do PIS/Cofins, bem como a inclusão da CSLL na base tributável pelo IRPJ. Assim, há “verdadeira superposição em que as exações são expandidas, abarcando mais do que a riqueza gerada na operação” [2].

A terceira situação de ocorrência de cumulação tributária ocorre tão somente nos tributos incidentes sobre comercialização de bens e serviços, ou sejam, aqueles que não se situam no processo de circulação de riquezas.

Expostas as situações que ocorrem a cumulação tributária, importante apontar que é na modalidade de superposição contributiva que se encontra a não cumulação. Trata-se a não cumulação de um mecanismo em que se admitem abatimentos ou compensações no valor do tributo devido ou na sua base de cálculo. Assim, objetiva-se gravar apenas a riqueza agregada pelo contribuinte ao bem ou serviço.

A não cumulação do ponto de vista econômico traduz-se no imposto que incide sobre o valor acrescido em cada operação relativa à circulação, de modo que a incidência global é idêntica à multiplicação da alíquota pela base de cálculo final. Vanessa Grazziotin Dexheimer esclarece que, do ponto de vista do direito tributário, o tributo incide sobre o valor de cada operação e após, para garantir a sua não cumulação, atua como mecanismo de compensação financeira de maneira corretiva; prossegue afirmando que este abatimento do débito correspondente à alíquota aplicada sobre o valor da saída do estabelecimento o crédito gerado na entrada da mercadoria [3].

Ainda sobre a lição da autora citada acima, a não cumulação promove a neutralidade do imposto, “já que a incidência do imposto não seja objeto de compensação com o tributo incidente na fase ulterior se torna custo de produção e, portanto, potencial causa de distorções. Para ser neutro, o tributo não pode influenciar em questões concorrenciais ou na formação de preços de mercado”. Além disso, admite-se que a não cumulação promove a capacidade contributiva, de modo que a sistemática do creditamento pressupõe que o consumidor final sofra a repercussão jurídica do tributo, uma vez que ele deve ser o único sem direito de crédito correspondente ao imposto cobrado em suas aquisições. [4]

É importante dizer que a natureza normativa da não cumulação tributária não encontra consenso na doutrina brasileira. Há classificação como princípio, regra ou técnica de apuração do tributo. Fato é que entendemos em conformidade do que ensina Humberto Ávila, o art. 155, §2º, I, da Constituição tem caráter preponderante de regra, porque um mesmo dispositivo pode ser fonte de diferentes normas. [5].

Por todo o exposto, entende-se ser a não cumulação a proibição de que um imposto incida sobre ele mesmo, ao contrário da cumulação que é demasiadamente prejudicial ao processo produtivo.

REFERÊNCIAS

[1] MOREIRA, Andre Mendes. Não-cumulatividade tributária na Constituição e nas leis (IPI, ICMS, PIS/COFINS, impostos e contribuições residuais). Tese de doutorado. Universidade de São Paulo (USP). Orientação: Paulo de Barros Carvalho. São Paulo, 2009.

[2] Ibid. pág. 58-59.

[3] TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da não-cumulatividade e o IVA no direito comparado. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). O princípio da não-cumulatividade. Cadernos de pesquisas tributárias – Nova série 10. São Paulo: RT/Centro de Extensão Universitária, 2004, p. 144-145.

[4] DEXHEIMER, Vanessa Grazziotin. Dedução do Crédito Financeiro no ICMS: Não Cumulatividade e Coerência Legislativa. Revista Direito Tributário Atual. RDT Atual 38-2017. Disponível em: https://ibdt.org.br/RDTA/deducao-do-credito-financeiro-no-icms-nao-cumulatividade-e-coerencia-legislativa/#note-763-31.

[5] VILA, Humberto. Legalidade tributária multidimensional. In: FERRAZ, Roberto (org.). Princípios e limites da tributação. 1. ed. São Paulo, 2005, p. 277-291.

Por Iara Coimbra Teixeira e revisado por André Luiz Martins Freitas

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