https://www.conjur.com.br/2023-jul-24/gustavo-leite-stf-multas-tributarias/#:~:text=O%20STF%20tem%20inclu%C3%ADdo%20em,viola%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20separa%C3%A7%C3%A3o%20dos%20Poderes

O STF tem incluído em sua pauta, com uma certa frequência, recursos que tratam das multas tributárias. Esses recursos são analisados, pelo Supremo, sob a ótica do não confisco, que está expressamente previsto na Constituição. Por isso, não se trata de ativismo judicial ou violação à separação dos Poderes.

A jurisprudência é pacífica no sentido de que cabe ao Poder Judiciário, mediante provocação, intervir em casos de excessos que violem regras constitucionais, como o caso do não confisco, proporcionalidade e razoabilidade.

O ministro Celso de Mello, ao julgar a ADI nº 1075-MC, assim se manifestou: “encerra uma cláusula aberta, (…), reclamando que os tribunais (…) procedam à avaliação dos excessos eventualmente praticados pelo Estado, tendo em consideração as limitações que derivam do princípio da proporcionalidade”. Portanto, a análise, pelo Poder Judiciário, do caráter confiscatório das multas tributárias não viola a separação dos poderes.

O Supremo, ao julgar o Tema nº 214, no RE nº 582.461/SP, decidiu que a multa tributária de caráter moratório em patamar de 20% sobre o débito tributário atende ao princípio da razoabilidade e não viola a regra do não confisco.Volto a dizer, o STF tem tratado bastante das arbitrariedades e patamares vultosos das multas tributárias.

A Suprema Corte também reconheceu a repercussão geral no RE nº 640.452/RO, e está julgando a (in)constitucionalidade, por desproporcionalidade e caráter confiscatório, de multa em valor variável entre 40% e 50% sobre o valor da operação realizada pelo contribuinte, por descumprimento de obrigação acessória, ou seja, multa isolada aplicada.

O caso concreto trata da multa de 40% sobre o valor da operação, aplicada pelo estado de Rondônia com fundamento no artigo 78, inciso III, alínea “i”, da Lei nº 688/96, visto que o valor da penalidade seria superior ao valor do imposto recolhido.

Como dito no parágrafo anterior, encontra-se em julgamento o recurso extraordinário, e o ministro relator Barroso votou no sentindo de que: “a multa isolada, em razão do descumprimento de obrigação acessória, não pode ser superior a 20% do valor do tributo devido, quando há obrigação principal subjacente, sob pena de confisco”.

O ministro Toffoli divergiu do relator e entendeu que: “havendo tributo ou crédito, a multa decorrente do descumprimento de dever instrumental estabelecida em percentual não pode ultrapassar 60% do valor do tributo ou do crédito vinculado, podendo chegar a 100% no caso de existência de circunstâncias agravantes. Não havendo tributo ou crédito tributário vinculado, mas havendo valor de operação ou prestação vinculado à penalidade, a multa em questão não pode superar 20% do referido valor”.

O julgamento ainda não foi concluído.

O STF derrubou recentemente a aplicação da multa isolada no caso de compensação não homologada, ao julgar o Tema n° 736 da repercussão geral.

É necessário explicar que as multas, em qualquer área do direito, têm caráter punitivo e visam desestimular determinada conduta.

Como já explicado em outro artigo de minha autoria, no direito tributário, as multas podem ser moratórias (que é a discutida no Tema n° 816 da repercussão geral), multas de ofício (qualificadas e não qualificadas) e as multas isoladas.

A multa moratória e a multa de ofício incidem com o atraso no pagamento do tributo.

A multa de ofício incide quando a autoridade fazendária “verifica que o contribuinte deixou de pagar o tributo, mediante omissão ou fraude”. O patamar desta multa será julgado no Tema n° 1.195, em que se discute se a multa punitiva poderá ser aplicada em patamar superior a 100% do tributo devido. Já adianto que não é possível, tendo em vista que o STF, julgando a ADI 551/RJ, declarou a inconstitucionalidade de norma estadual que previa a aplicação de multa elevada, em caso de não recolhimento ou sonegação de tributo, por ofensa aos princípios do não confisco e da proporcionalidade.

O ministro Gilmar Mendes, naquela oportunidade, assim se manifestou: “fica evidente quando se coloca que as multas, em consequência do não recolhimento dos impostos e taxas estaduais, não poderão ser inferiores a duas vezes o seu valor, chegando a uma notória desproporção. Portanto, penso que se pode invocar o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal e, obviamente, o princípio da proporcionalidade na acepção que este Tribunal tem lhe emprestado do devido processo legal ou sentido substancial ou substantivo”. Isso mostra que o limite de 100% de qualquer que seja o gênero da multa é uma tendência adotada pela corte.

A aplicação da multa tem por objetivo sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações fiscais. Todavia, não pode ter um importe que seja desproporcional, confiscatória e não seja razoável.

As multas isoladas incidem com o descumprimento de obrigação acessória ou por outras infrações.

Ao julgar o Tema n° 816 da repercussão geral, foi notório que a corte fez uma escala de gravidade das multas, para estabelecer tetos de aplicação.

Conforme se extrai do voto do ministro Dias Toffoli: “as multas moratórias visam a combater comportamentos com menor grau de reprovabilidade do que aqueles censurados pelas multas não qualificadas; 2) essas, por seu turno, sancionam comportamentos com menor gravidade do que aqueles reprovados com as multas qualificadas. Nessa toada, por questão de razoabilidade, proporcionalidade e justiça, a priori, as multas qualificadas em razão de sonegação, fraude ou conluio podem ser superiores às multas de ofício não qualificadas; e essas, por seu turno, podem ser superiores às multas moratórias”.

Além da escala de gravidade da incidência das multas, houve a necessidade de uniformização dos percentuais de multas, já que há em unidades da federação multas extremamente elevadas e em outras unidades a mesma conduta incorre em uma sanção menos gravosa.

Entendendo que a mora em pagar tributos é uma conduta cuja reprovabilidade é menor, a multa de mora também deve ser menor.

Portanto, em harmonia com o Tema n° 214 do STF, a corte entendeu que a multa de mora não tem caráter confiscatório e atende à razoabilidade e à proporcionalidade, quando fixada em até 20%. O STF ainda definiu que as variações temporais devem ficar a cargo das leis.

Como se sabe, o não confisco é um princípio que deve ser aplicado com o sopesamento da finalidade sancionatória das multas. A jurisprudência se firmando no sentido que está caminhando demonstra o abuso das multas tributárias que são aplicadas há anos, e somente agora vem sendo corrigida pelo STF.

Por André Freitas e Gustavo Leite

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